Mulher
por Livia Maria Orsati Clara
I.
Pode ser até letrada
Mas dela, se espera que seja bela
Recal©(t)ada em suas ideias
Versada nas coisas do lar
Seus gestos policiados
Feche as pernas, fale baixo!
Use vestido e salto
Seu corpo monetizado como matéria-prima
Destinado a parir gente e alimentar a economia
Mulher entra logo nessa vitrine
Posa que nem frango de domingo
Roda, rosa, roda
Até ser esquartejada pelo homem mais faminto.
II.
As putas, as trans, as bi, as sapas,
as outras
Soberanas de seu corpo
de si, o seu domínio
Gozam isentas da predestinação fecundativa
Governam seus lares mais íntimos
Arrombam com a língua a colonização da libido
Sentam de quatro no código de etiquetas
Movem as areias que encastelam o falocentrismo
Bruxas reinventam feitiços
Calderam em silêncio
E não temem quando a opressão as espreita
Levantam-se de pronto, gesticulam e gritam:
- De mim, sou eu quem dito.
Livia Maria Orsati Clara (1993, São Paulo) @liviaorsati
Desfaço-me do prefixo mono em tudo aquilo que sinto e faço. Nunca acreditei em respostas prontas. Passo mais tempo no tempo passado do que eu deveria. Gosto de cavoucar pelos mistérios da linguagem. É lá que me (re)conheço e acolho a extensão da minha ignorância.